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Inês Teixeira Pinheiro

Vegetarianismo

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2 Março 2021

H

á uns meses, decidi comprar um livro sobre o impacto da alimentação à base de carne. Dirigi-me, então, a uma livraria e fiquei profundamente revoltada quando não encontrei nenhum

livro com esta informação. Encontrei, no entanto, livros sobre todo o tipo de dietas, religiões e animais, mas nada sobre este assunto. Também na internet pouco constava sobre o tema. Por motivos económicos, penso, esta temática é escondida, funcionando até como um “tabu”. Toda esta situação encaminhou-me a escrever este texto.

Hoje, existem várias dietas alimentares: há quem coma de tudo, há quem não coma carne vermelha, há quem não coma carne, há quem não coma nenhum alimento que tenha origem animal, etc. Questiona-se qual das dietas será mais saudável e mais sustentável; neste seguimento, analisarei alguns aspetos, causas e consequências do consumo de carne, para compreender melhor o seu impacto e determinar, então, se esta é uma solução viável nos dias de hoje.

Num primeiro momento, a carne foi dos primeiros alimentos que o Homem consumiu e que permanece há milhares de séculos, sendo que grande parte da população sempre dependeu dele. A própria evolução do homem prova que a carne o tem saciado e apoiado durante estes séculos, logo será, à partida, imprescindível para o Homem.

Pelo contrário, milhares de séculos depois, o Homem já não vive em cavernas, já não anda nu, nem tem de caçar para sobreviver, mas ainda se alimenta dos mesmos animais, ou seja, criou-se a casa, a energia, a comunicação, os transportes, mas não se evoluiu na alimentação, na medida em que o Homem continua a precisar de matar para viver. Para além disso, Donna Hart revelou que os nossos antepassados eram presas dos animais, e não predadores, e que foi a necessidade de escaparem a estes seres  maiores e mais ferozes que criou a caça. Ainda, Gary Yourofsky diz no seu célebre discurso: “Encontrem uma criança de dois anos, coloquem-na num berço e entreguem-lhe duas coisas: um coelho e uma maçã. Se a criança comer o coelho e brincar com a maçã, avisem-se e comprarei um carro para todos os presentes nesta sala.” Refletindo sobre o que referi anteriormente, nenhum humano seria capaz de, numa situação normal e atualmente, caçar um animal com as suas próprias mãos, como fazia o Homem da pré-história e de o comer na totalidade, muito menos sem o cozinhar. Isto acontece porque não temos, de facto, instinto animal nem necessidade de caçar para sobreviver. Se o Homem se comportou como um animal, agora civilizou-se e já não tem desculpa para contribuir ou participar neste processo medieval, que é a alimentação de animais.

Também é necessário referir que muitas personalidades conhecidas pelo seu intelecto ou talento eram vegetarianas, indicando estas entre muitas outras: Pitágoras, Hesíodo, Siddahartha Gautama (buda), Platão, Isaac Newton, Leonardo da Vinci, Voltaire, Fitzgerald, Gaudi, Gandhi e Albert Einstein. Desde o ano 570 antes de Cristo até aos dias de hoje existiram homens que se distinguiram por discordar da alimentação à base de carne. Será que vinte e cinco séculos depois, ainda não nos devemos preocupar com o assunto?

Num segundo momento, agora focando-nos na saúde, a carne processada, que inclui produtos geralmente feitos a partir de carne bovina, suína, de frango e de peru, que foram alterados a partir de seu estado original, sendo submetidos a fases de transformação ou elaboração e a carne vermelha, que inclui as carnes provenientes dos mamíferos, excetuando-se a carne suína são das maiores causadoras de cancros como o da próstata, pâncreas e colorretal. A Organização Mundial da Saúde estimou ainda, que, por ano, trinta e quatro mil pessoas morrem devido ao consumo de carne processada e cinquenta mil pessoas morrem devido ao consumo de carne vermelha. Estas duas estão relacionadas, ainda, com doenças cardiovasculares, com os diabetes, entre outras.

Todavia, também a falta de carne causa problemas na saúde, na medida em que a alimentação vegetariana, como pouco explorada, especialmente em Portugal, traz dificuldades acrescidas e pode originar uma dieta desequilibrada, que poderá levar a anemia, défices de vitaminas e défices proteicos. Exemplificando, múltiplos restaurantes e supermercados portugueses não apresentam opções vegetarianas, o que leva ao consumo de hidratos de carbono ou gorduras em excesso, o que é prejudicial para toda a gente.

Não obstante, o seguinte processo biológico explica défices energéticos que a alimentação de carne comporta: as plantas transformam a matéria mineral em orgânica e criam energia medida em calorias; neste processo, e ao longo da cadeia alimentar, dão-se perdas de energia. Como um animal nunca pode pertencer ao primeiro nível trófico, pois é consumidor e não produtor, ou seja, não consegue produzir energia, apenas consumi-la, dará menos energia a quem se alimentar dele ao contrário do que acontece com a planta. Deste modo, a alimentação vegetariana, tanto ao nível canceroso, como ao nível energético, é mais saudável quando feita equilibradamente.

Por último, e talvez o mais importante, é imprescindível referir o sofrimento a que sujeitamos os animais, não só na sua morte como durante toda a sua vida. Eu própria experienciei este sofrimento em 2014, num seminário em Resende, que contém uma vacaria com sessenta vacas, todas criadas por inseminação artificial. Fui assistir a um parto e reparei que, nas horas seguintes, a vaca permaneceu deitada, coberta de sangue e moscas, enquanto o bezerro, seu filho, foi imediatamente levado para uma sala sem luz, ainda todo sujo. Quando perguntei ao vaqueiro a história daquela “família” ele contou-me que a vaca tinha deslocado a anca nessa semana e que o parto fora antecipado para que o bezerro nascesse, antes de ela ser levada para um matadouro. O senhor fez questão de pontapeá-la para me mostrar onde estava o animal ferido e acrescentou num tom de gozo “daqui a uns nove meses aquele bezerro estará no talho”. Seguidamente, assisti à levada da vaca para Espanha numa retroescavadora. Tocada com o que acontecera, decidi ir visitar o bezerro com uma hora de vida e, quando o chamei, ele levantou-se e caminhou desequilibradamente até mim, para se deitar e deixar-me acariciá-lo, coisa que a sua mãe nunca pudera fazer.

Há quem defenda, contudo, que, não sendo portadores de deveres, os animais não merecem quaisquer direitos e que a vida humana tem maior importância que a vida animal, logo é irrelevante este sofrimento.

Eu não tenho qualquer refutação lógica para o que foi dito anteriormente, apenas emocional. Juridicamente, a verdade é que os animais não têm quaisquer deveres, mas podemos equipará-los às crianças. Os bebés têm direitos, mas nunca possuem realmente deveres até terem idade para que a culpa dos seus atos lhes seja imputável e isso não nos dá o direito de os matarmos ou torturarmos, por exemplo. A desvalorização deste sofrimento é também feita com base na espécie do animal, o que não é de nenhuma maneira coerente e me faz lembrar discriminações raciais. Na Índia não se consome carne de vaca, porque o animal é, nesse país, sagrado. Contudo, em Portugal, é comum fazê-lo, mas nunca se consideraria comer carne de cão, o que é feito na China. Não existe um grupo especial de pessoas, assim como não existe um grupo diferenciado nos animais. Todos têm a capacidade de sentir, de sofrer; todos sentem a falta de liberdade e de amor e todos mereciam as mesmas oportunidades. A razão pela qual isto não acontece é, em primeiro lugar, porque nós somos animais racionais e utilizamos esta racionalidade como desculpa para as explorações de que nos servimos e, em segundo lugar, por costume apenas - dividimos os animais de estimação de animais selvagens e de animais de quinta e, assim, decidimos adorar uns, respeitar outros e explorar os últimos, como antes se adoravam os reis, se respeitavam os nobres e exploravam o povo.

Em suma e a meu entender, o consumo de carne não é uma solução viável, tanto para a saúde humana como para a sustentabilidade mundial. Pelas razões anteriormente apresentadas decidi há quatro anos parar de ingerir carne, tanto de animais terrestres como aéreos, tornando-me no que a artista Karrel Christopher define “não é uma dieta; não é uma religião, um partido, uma elite, grupo ou culto; é uma consciência, uma decisão ética responsável; é fazer todo o esforço razoável para aproveitar a vida sem magoar, escravizar, explorar, esgotar, contaminar e matar, tomando uma decisão de ser amável para todas os seres vivos e para a terra”.

Artigo da autoria de Inês Teixeira Pinheiro, 

Aluna do 4º ano da licenciatura em Direito na UCP Porto

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